Uma saudade verde, branca e grená
Pedro de Azevedo
Mestre em História pela UFF

Grande parte da minha infância parece ter se perdido na neblina da minha memória. Apagada, igual ao autógrafo do Marcão na minha primeira blusa do Fluminense. Não sei exatamente por que ou quando isso começou, mas hoje, apesar de não recordar muitos detalhes, sinto que tenho uma compreensão mais clara e até mesmo bem resolvida sobre isso. Não me lembro da primeira vez que gostei de alguém, como foi meu primeiro dia no Ensino Médio e muito menos da primeira vez que andei de bicicleta. Embora eu saiba que esses momentos aconteceram, eles se tornaram tão distantes e irrelevantes para mim quanto uma vitória na loteria – algo que nunca experimentei!
Da mesma forma, não recordo exatamente quando escolhi meu time de futebol. Não lembro da minha primeira camisa, nem do autógrafo do enorme Marcão nela. Lembro que, como é comum no Brasil, essa escolha foi feita por meu pai, o maior tricolor de todos os tempos. Tenho memórias vagas de estar com ele em estádios durante minha infância, cercado por adultos no clima vibrante e ansioso do esporte. Recordo as risadas, as canções, os tons e os ambientes típicos: bares, espetinhos e copos de bebidas amareladas. Também me vêm à mente as brigas e discussões, com nervos à flor da pele. Entradas da Young Flu, bandeiras hasteadas. Lembro das finais de 2008 e 2009. O que eu recordo claramente é a conexão com meu pai e o universo que girava em torno dele – ou, ao menos, do que eu gostaria de lembrar.
Durante parte da minha adolescência, me afastei desse cenário e, com isso, também me distanciei daquela pessoa que me proporcionava tudo isso: meu pai. Por alguns anos, nutri uma imagem distante e dura dele, projetando minhas inseguranças e percepções equivocadas. Vivi uma vida afastada desse mundo, movido por medos, traumas e a ansiedade que dominava meu corpo e se naturalizou durante grande parte da minha juventude.
Com o tempo, tive outras oportunidades de me reconectar. Lembro de vestir a camisa 9 do Washington em um passeio da escola ao Maracanã em 2012 e de presentear amigas em São Paulo com minhas camisas do Fluminense em 2013. Também tenho uma lembrança vaga do jogo 1 x 2 contra o Atlético Mineiro em 30 de agosto de 2015. Curiosamente, eram esses momentos que mais despertavam em mim a saudade da conexão com meu pai.
A pandemia chegou e mudou o mundo, e em 2021, essa trajetória esquecida ressurgiu no dia 9 de dezembro, quando levei meu pai ao Maracanã para assistir a um emblemático 3x0 contra a Chapecoense, um dia após o aniversário dele. O estádio lotado – mais de 50 mil pessoas ecoando cantos e palavras que eu ouvia desde criança – fez com que parecesse que nenhum dia havia se passado. Era minha casa, meu conforto e meu espaço. Não pelo Fluminense, mas pelo meu outro amor: meu pai, claramente emocionado por eu estar ali com ele após um período pandêmico tão difícil. Pensava: "Quanto tempo eu perdi.".

Desde então, vivenciamos 6 títulos, incluindo os dois mais importantes da história do clube. No entanto, mais valiosa do que qualquer conquista do Fluminense foi a nossa reconexão como pai e filho, algo que o clube teve a honra de testemunhar. Tenho a sensação de que essa reconexão era o que o Fluminense esperava para finalmente voltar à glória!
Embora eu não me lembre da minha primeira camisa, nem do meu primeiro jogo, encontro total satisfação em saber que meu pai se recorda desses momentos e faz questão de me contar sempre. O que eu valorizo e carrego comigo é o sentimento profundo que tenho por ele e a conexão que compartilhamos. Assim como a minha camisa, que agora pertence ao meu sobrinho Arthur - e que eventualmente vai ser passada ao recém-nascido Liam, ele está agora a mais de 13.000 km de distância, mas o sentimento é tão vibrante quanto as cores que a compõem: verde, branco e grená. O Fluminense está vivo, sustentado pelas três cores que traduzem a tradição, a paz, a esperança e o vigor, unido e forte pelo sentimento de um filho pelo pai.
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