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Charanga na sombra

Renato Coutinho

Professor do Instituto de História da UFF



Esse retrato eu ganhei do Alcides Guedes, amigo e ex-aluno dos tempos em que eu lecionava na Universidade Castelo Branco. O pai dele, Sr. Ary Guedes, era uma figura muito querida em Realengo, e na época que eu o conheci ele era o dono da banca de jornal que ficava na entrada da universidade. Bom de papo e ouvinte atento, Sr. Ary era um típico suburbano que conhecia todos os códigos de convivência da cidade maravilhosa. 

Além de jornaleiro, o Sr. Ary também era fotógrafo de mão cheia e, de vez em quando, ia ao Maracanã fazer registros dos jogos de futebol. Facilidades dos anos 1980, quando entrar no maior estádio do mundo não exigia grandes fortunas ou credenciais mirabolantes. Na imagem temos o ponteiro Renato Gaúcho, do Flamengo, chegando na linha de fundo para centrar a bola na área, marcado de perto por Gerson Caçapa, lateral-esquerdo do Palmeiras. Esse jogo foi realizado em 1987 e marcou a ascensão do time rubro-negro no campeonato. O Mengo venceu por 2 a 0, gols do endiabrado Renato e do volante Ailton, e abriu caminho para o tetracampeonato nacional do clube mais querido do Brasil. Mas essa fotografia tem bem mais do que uma jogada de ataque do Flamengo. Vejam ao fundo as faixas da torcida na arquibancada. Para a minha surpresa e alegria, aparece imponente a faixa da Charanga do Flamengo, primeira torcida organizada do clube fundada em 1942, e que nos anos 1980 já não vivia seus tempos dourados. E essa imagem registra duas coisas muito bacanas. Primeiro que a Charanga ficava no lugar que posteriormente foi ocupado totalmente pela Raça Rubro-Negra, torcida com milhares de associados e que durante muito tempo ostentou o título de “maior movimento de torcidas do Brasil”. E, mais importante: ilustra a sábia decisão tomada pelo Jayme de Carvalho, fundador e chefe da Charanga durante décadas. Os frequentadores do Maracanã sabem que o lado esquerdo das cabines de rádio pertence à torcida do Flamengo e o lado direito à torcida do Vasco. Fluminense e Botafogo ao longo dos anos se adaptaram às posições fixas dos adeptos de Flamengo e Vasco. Os vascaínos repetiram por muitos anos que essa definição ocorreu por conta do cruzmaltino ser o primeiro campeão do estádio, e por isso ter adquirido o direito de definir o lado da sua torcida. Sim, o Vasco da Gama foi o primeiro campeão do Maracanã, mas isso não explica tudo. A história é mais simples e divertida. No primeiro jogo da Charanga no recém-inaugurado estádio municipal em 1950 – que mais tarde se tornou Mario Filho – o Sr. Jayme de Carvalho, esperto como poucos, percebeu a posição do sol e notou que o lado esquerdo teria sombra antes do lado direito. Pronto! O chefe rubro-negro pegou sua banda de música, sua faixa “Avante Flamengo” e correu para a sombra! A torcida do Flamengo deve muito ao pioneirismo da Charanga: primeira torcida com instrumentos no estádio, primeira torcida a usar faixa e as cores do clube nas suas roupas, primeira torcida a organizar a festa coletiva que se tornou a arquibancada. E deve a ela até mesmo o lugar privilegiado, sem sol no rosto, que o chefe flamengo ocupou e declarou território rubro-negro. Até hoje, desse lado do Maracanã, na sombra, só tem Flamengo. Graças à Charanga. 

Ah, e pesquisando a ficha técnica desse jogo, descobri que essa vitória foi no dia do meu aniversário de seis anos, em 07 de novembro de 1987. Trinta e seis anos depois, pude relembrar a data com esse presente especial da família Guedes, descoberto em uma pasta antiga no canto do escritório.  

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