A relevância dos jogos esquecíveis
Lucas Abrantes da Rocha
Mestre em História pelo PPGH-UFF
Minha primeira vez em estádio — pelo menos a que eu estava torcendo conscientemente, me importando com o que acontecia — foi em 2013, já no Maracanã modelado pela FIFA. Foi no histórico Flamengo e Cruzeiro pela Copa do Brasil, partida vencida pelo Mengo, com gol de Elias. Clima espetacular nas arquibancadas, de uma noite que marcou o ano em que o clube rubro-negro carioca alcançaria a sua terceira conquista no torneio.
Contudo, apesar de fantástica, não é sobre aquela ocasião que este texto trata. Como pode ser visto, o ingresso da foto é de outra peleja, disputada no mês seguinte. A competição era diferente, assim como o adversário. Era um Flamengo e Criciúma, jogo válido pela 24ª rodada do Campeonato Brasileiro. 29 de setembro, um domingo de sol. Quatro horas da tarde, no mesmo Maracanã. Duas equipes da parte debaixo da tabela. Atendendo à promoção no preço de ingressos, cerca de quarenta mil pessoas estiveram presentes naquele dia. O bom público não era para acompanhar um time de destaque, mas para dar força a um clube que passava por um momento delicado.
O Flamengo ocupava a 16ª posição, a primeira fora da zona do rebaixamento, com apenas dois pontos a mais — e um jogo a menos — que o Criciúma, o 17º. Uma derrota faria a equipe ser ultrapassada e ficar entre os quatro últimos do campeonato, o que aumentaria a pressão para um clube que se orgulha por nunca ter sido rebaixado.
Para mim, além de toda a importância do jogo, aquela partida carregava algo ainda mais especial. Após anos acompanhando com o nosso pai os jogos na TV aberta ou nas transmissões de rádio — sempre que possível na voz de Luiz Penido, nosso locutor favorito —, eu e Caio, meu irmão, iríamos ao Maracanã pela primeira vez com o maior responsável pelo nosso amor ao Flamengo.
Com o nome de craque, Carlos Alberto, meu pai, sempre foi um apaixonado torcedor rubro-negro. Vendedor de automóveis, trabalhava numa concessionária em Jacarepaguá, bairro em que morava na época. Nesse sentido, o deslocamento até o Maracanã e a pouca flexibilidade do emprego — às vezes trabalhava aos domingos, dia clássico de jogos de futebol no Brasil — eram empecilhos para vislumbrar assistir à partida in loco. Somado a isso, havia também, por conta da pouca idade, uma falta de iniciativa — e até de conhecimento — por parte de mim e do meu irmão na procura pelo acesso ao estádio. Assim, mesmo quando havia oportunidade, era mais cômodo acompanhar as partidas pela televisão ou pelo rádio.
Atingindo uma idade maior — em 2013, tinha de 15 para 16 anos —, eu e meu irmão tivemos o estalo: por que não ir ao Maracanã? Como comprar ingresso? Qual seria a faixa de preço? Primeiro passo dado, partida contra o Cruzeiro, numa noite de quarta. O segundo? Jogo com o nosso pai na tarde de um domingo.
Às 14h, chegamos ao estádio. Ficamos no setor Norte, à esquerda das cabines de transmissão, parte do estádio em que ficam as principais torcidas organizadas do Flamengo. A partida não demorou muito a ficar com placar favorável à equipe da casa. Já com quatro minutos, gol do atacante rubro-negro Hernane, o “Brocador”, como ficaria conhecido por sua passagem no clube. Aos dezessete, o zagueiro Wallace marcou o segundo. Logo depois, mais um tento: outro de Hernane, agora de pênalti, em lance que ocasionou a expulsão do arqueiro
rival. Vinte e três minutos, 3 a 0 para o Flamengo.
Apesar da expulsão, o placar não se ampliou. Ao contrário, a diferença diminuiu: ao final do primeiro tempo, também de pênalti, Daniel Carvalho foi o autor do gol visitante. No lance da infração, Felipe, goleiro do Flamengo, foi expulso, o que igualou numericamente os times no gramado. Todavia, mesmo com a perda da vantagem numérica, Elias fechou o placar para a equipe da Gávea: 4 a 1 e respiro com o afastamento da zona de rebaixamento.
Jogo de tabela, de um time que não teve o campeonato daquele ano marcado na história, foi perdido, como tantos outros, na memória da maior torcida do país. No entanto, segue lembrado por mim, por meu irmão e pelo nosso pai. Há partidas que, diferente de uma decisão de campeonato, marcam de modo pessoal. Por várias razões. Acompanhar momentos grandes, de copa, por exemplo, os menos fanáticos também fazem. Mas, para um esporte e para uma paixão que são vividos cotidianamente, torcer sempre, em todas as situações, é, mais do que um laço de lealdade e de amor com o clube pelo qual chora e vibra: é também com os seus. Daí a relevância dos jogos esquecíveis.
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